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Olhares, um contador

O olhar percebe que há um grande desafio para o contador no século XXI: construir um saber plural, inter e transdiciplinar.

Autor: Marcelo Henrique da SilvaFonte: Blog Contábil

O olhar percebe que há um grande desafio para o contador no século XXI: construir um saber plural, inter e transdiciplinar. Um saber que seja ao mesmo tempo dogmático, mas também interpretativo e crítico. E esse saber passa, necessariamente, pelo saber jurídico hermenêutico.

 

Numa séria reflexão diante deste atual novo-velho mundo contábil, onde, desprovidos de normas jurídicas, pessoas-instituições tentam impor padrões contábeis não prescritos em leis, como se suas origens e raízes se sustentassem num direito natural, o olhar do contador, preocupado com a elaboração de um saber jurídico, descobrirá a emancipação, a liberdade dos grilhões que impossibilitam a sua afirmação enquanto indivíduo-profissional, dotado de um livre pensar.

 

No caminho do livre pensar, percebem-me um traidor! Sentem-me um traidor! Para muitos uma coisa intermediária entre o doido e o cadáver.

Os pastores do rebanho irritam-se comigo! Caminho para minha meta…

Nietzche afirmou: “vede os bons e os justos! A quem odeiam mais? A quem lhes despedaça as tábuas de valores, ao infrator, ao destruidor”. Entretanto completa o filósofo alemão: “É este, porém, o criador”.

É essa a imagem, um traidor, infrator, destruidor; porém criador. Semeando sementes, a mais alta esperança. Não na busca de discípulos para comunicar-lhes saberes. Os saberes estão soltos por aí, para quem quiser – quem ousar, quem se apartar do rebanho. Mas na busca de discípulos para neles plantar esperanças. Liberdade de pensamento, um livre-pensador; livre dos dogmas, livre das correntes-padrões que aprisionam.

Existe um novo-velho mundo contábil onde os sonhos concretos desenrolam-se, ou sustentam-se, numa história lógica pragmática: - todos devem seguir o padrão contábil internacional sob pena de ter seu registro (no CRC, do contabilista) suspenso ou cancelado; - a não adoção do padrão contábil internacional redundará na responsabilidade do profissional contábil, com implicações penais, civis e tributárias.

Separo-me destes! Guimarães Rosa profetizou que os homens haveriam de ficar loucos em decorrência da lógica pragmática. E isso já está acontecendo em nossas instituições; nossos Homens-contábeis.

Não, não tenho medo da contabilidade; tenho medo, sim, dos ditadores que a professam, que com farrapos de erudição se besuntam numa Teoria do Medo, em nome da fama, da internacionalização, da padronização.

O equilibrismo do padrão contábil internacional “aplicado a todas as empresas” se esperneia na Teoria do Medo, nada mais! Vejam os argumentos… suspensão, cancelamento, penalidades – argumentos sólidos (sic), diga-se!

Separo-me destes! Caminho para minha meta…

Percebo-me um traidor! Sinto-me um traidor! Quero unir-me aos criadores… Caminho para essa meta!

Percebo-me um traidor! Sinto-me um traidor! A razão? A imposição de um dever-ser frente ao naturalismo exacerbado dos diplomatas dos saberes contábeis.

Noutras épocas, até meados do século XIX, o direito se determinava pelas leis naturais, leis divinas. A imposição não decorria das leis dos homens, mas daquilo que era natural, dos deuses.

Exemplo maior deste direito natural é a peça Antígona, de Sóflocles. Nela, Antígona sepulta seu irmão, morto em combate, mesmo contra a lei de Creonte; lei dos homens. Ao ser questionada pela transgressão da lei dos homens, que proibira o sepultamento do irmão, Antígona assevera que aquela lei não havia sido proclamada pelos deuses, portanto uma lei escrita pelos homens não tem o poder de superar aquelas leis não-escritas, perenes, dos deuses.

Sem prantos, ao final do século XIX e início do novo século se consolida o direito positivo; as relações são reguladas pelo direito prescrito nas normas legais, deixando de lado o subjetivismo extremo do direito natural, incapaz de, sozinho, regrar as condutas dos homens. Nasce o fundamento de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei.

Nos tempos atuais, século XXI, já diante de um pós-positivismo e um neo-constitucionalismo, onde fato, valor e norma encontram-se unificados, não se impõe um padrão contábil a todas as empresas em decorrência de uma evolução natural, ou como quer alguns pela evolução inevitável, e pra todos.

A loucura chega ao ridículo! Pastores de ovelhas…

Há um dogma contábil sobre qual tudo aquilo que o Conselho legislar nasce uma obrigação natural e legal. Um dogma irreal, diga-se!

Desde cedo aprendemos isso; cumprimos o dogma e nos livramos das penalidades do Delegado… Por séculos repetimos esse credo; mas o velho evangelho nos ensina: há luz. Haja luz!

Nossa carta magna, lei maior, determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei. A evolução da contabilidade pode ser natural, sua imposição a todos depende de lei, norma jurídica, diga-se!

A medida que o Poder Judiciário reconhece que normas do Conselho não são normas capazes de obrigar ou desobrigar algo não previsto em lei, o dogma derrete-se, flui, evapora. Há luz! Vejam, por exemplo, os casos do exame de suficiência, do valor da anuidade, do registro do auditor-fiscal e do professor, da apresentação de livros da empresa; obrigações criadas por resolução e derrubadas pelo Poder Judiciário, todas.

Haja luz! Caminho para minha meta…

Estando no século XIX seria natural a imposição da contabilidade internacional para todas as empresas, mas estamos no século XXI, e necessitamos de leis, normas jurídicas; e estas não existem, enquanto lei (resolução não é lei, são normas administrativas).

Em outras palavras, sem luz: num exercício de alienação dogmática, sustentado pela Teoria do Medo e da Cadeira, tentam impor o padrão contábil internacional a todas as empresas; havendo luz: esse padrão só se aplica às S/A e aquelas de outros tipos de grande porte.

Aparto-me do rebanho! Caminho caminhos livres; livre dos demônios dogmáticos, da lógica pragmática, do medo teórico, dos deuses contábeis, dos convictos, dos eruditos…

Certo, certíssimo! Percebo-me um traidor! Sinto-me um traidor! Quero unir-me aos criadores… Caminho para essa meta!

Aparto-me do rebanho; aparto o rebanho! Um traidor, infrator, destruidor, porém criador.