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Questionável legalidade das normas internacionais de contabilidade

Como a matéria contida na lei é contábil, nesse particular é permissível admitir-se até como repetição no sentido de maior afirmação o que está literalmente expresso legalmente.

Autor: Antônio Lopes de Sá

Questionável é a legalidade da adoção obrigatória das denominadas como normas internacionais de Contabilidade, ou IFRS do IASB – International Accounting Standards Board, adotadas pela CVM – Comissão de Valore Mobiliários, se observada a conceituação contábil reconhecida tradicionalmente.

 

Isso por que as sociedades por ações, abertas ou não, são obrigadas a observar em seu regime de escrituração os “princípios de contabilidade geralmente aceitos”.

 

A expressão “princípios de contabilidade geralmente aceitos” a que se refere o caput do artigo 177 da lei 6404/76 deriva-se dos reconhecidos tradicional e consagradamente pela sigla GAAP (Generally Accepted Accounting Principles) de origem estadunidense, domínios do FASB[1] e não do IASB[2].

O conceito de “Princípios geralmente aceitos de Contabilidade” (GAAP), tal como entendido foi e ainda é nos Estados Unidos são normas e procedimentos que as empresas usam para compilar suas demonstrações contábeis e que pelo FASB se organizaram.

Trata-se, pois de uma combinação de regras e formas adaptadas e aceites de registro e comunicação de informação contábil que no caso é de origem estadunidense.

Desde 1938 a entidade de classe norteamericana AICPA emitiu pronunciamentos conhecidos como “Princípios Contábeis Geralmente Aceitos”, conservando tal denominação, razão que impede seja a mesma de outra forma vista e entendida quando se trata de “informação”.

O conceito referido já em 1952 estava consolidado no maior léxico contábil dos Estados Unidos o “Dictionary for Accountants” de Eric L. Kohler como sendo o de oficialização de padrões de Contabilidade egressos de entidade de classe norteamericana, na época o “American Institute of Accountants”; o “Financial Accounting Standards Board” (FASB) sucedeu o “Accounting Principles Board” (APB) em 1973, prosseguindo na política de defesa dos “Princípios Contábeis Geralmente Aceitos”, assim continuando a denominá-los e sem que qualquer alteração em tal expressão tivesse ocorrido até hoje.

Até o famoso léxico Wikipédia, de alcance público, mesmo não especializado, assim informava em março de 2010 (em inglês):

Princípios de Contabilidade Geralmente Aceitos (GAAP) é o termo nos Estados Unidos usado para se referir à estrutura padrão de orientações de contabilidade financeira, utilizado em qualquer jurisdição em razão de serem geralmente reconhecidos como normas de contabilidade. Incluem as normas, convenções e regras de contabilistas a serem seguidas nos registros e sumários de transações e na preparação das demonstrações financeiras

Mesmo ostensivo na lei que tais Princípios devem ser respeitados, mesmo inequívoco como conceito consagrado, jamais tendo sido modificado desde a origem, não foi seguido pela CVM, uma vez que esta optou por uma “consonância” ligada ao IASB, entidade européia privada.

Inequívoco está que o caput do artigo 177 da Lei 6404/76 obriga a aplicação dos “Princípios Geralmente Aceitos de Contabilidade” (conceito inconfundível e internacionalmente reconhecido) e o §5º do mesmo artigo determina a consonância sem indicar qual o modelo a seguir.

A opção da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, todavia, foi por normas que não são as identificadas tradicionalmente como “Princípios Geralmente Aceitos de Contabilidade” (estes os exigidos por lei), tal como de forma consagrada se conceituaram, nem em “consonância” com as do maior mercado de ações do mundo (cujo espírito da lei nos parece sugerir como pretensão de convergência).

A referida opção não se operou, portanto, dentro dos rigores literais, ou seja, contabilmente sugere questionamento em razão do determinado pelo caput do artigo 177 da lei 6404/76.

Seguindo o argumentado o que ocorreu com a adoção das IFRS foi algo questionável em face da lei e do imperativo econômico em relação ao maior mercado de títulos mobiliários que por tendência deveria ser modelo.

Havendo a lei 6404/76 adotado conceito norte americano ao se referir a “Princípios Geralmente Aceitos de Contabilidade” como algo obrigatório a ser seguido na escrita contábil e como nos Estados Unidos as normas do IFRS não estão adotadas, evidente está uma discordância em relação ao caput do artigo 177 e do próprio § 5º, ou seja, não se adotou o que dita o FASB e nem se ensejou “consonância”.

Como a matéria contida na lei é contábil, nesse particular é permissível admitir-se até como repetição no sentido de maior afirmação o que está literalmente expresso legalmente.

Não deixa de ser redundância, sob o ponto de vista técnico, o que consta do caput do artigo 177 da lei 6404/76 e o que veio a determinar a Lei 11.638 e que se transformou no § 5º do mesmo artigo na consolidação da lei.

Ou seja, o caput referido obrigou a seguir o padrão americano (reconhecido pela sigla GAAP e na lei referido como Princípios Geralmente Aceitos de Contabilidade) e o § 5º voltou a insistir na “consonância”.

Como o referido é um parágrafo, lógica é a prevalência do caput [3], ou seja, a consonância deveria fazer-se pelo padrão dos “Princípios geralmente aceitos de Contabilidade” (GAAP do FASB) e não pelo modelo do IASB.

Esse o questionamento permissível de ordem eminentemente contábil de matéria contida em texto de lei.

Essa uma inferência lógica que naturalmente poderá encontrar justificativas várias para o caminho adotado, mas, que perante o rigor do texto da lei permite conclusão sobre a existência de algo questionável.


[1] FASB é a sigla de Financial Accounting Standards Board responsável pela padronização contábil das companhias americanas

[2] IASB é a sigla de International Accounting Standards Board entidade privada sediada na Inglaterra cujos modelos normativos foram adotados pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários, no Brasil.

[3] Justifica tal referência o contido no artigo 11 da Lei Complementar 95/1998 com as modificações introduzidas pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001.

 

*Autor: Antônio Lopes de Sá
www.lopesdesa.com.br
Contato: lopessa.bhz@terra.com.br


Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999 Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente.