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A prescrição nos crimes tributários

Muitos foram os anos de luta da advocacia para que esse entendimento fosse modificado.

Fonte: Valor Econômico

Em 27 de dezembro de 1990, entrou em vigor a Lei nº 8.137, que, em seus artigos. 1º , 2º e 3º, tipificou o conjunto de delitos conhecido como crimes contra a ordem tributária. Desses, o que mais interessa ao cotidiano do empresariado nacional é aquele previsto no artigo 1º, seja em razão da maior possibilidade de sua ocorrência no dia a dia das empresas, seja em razão da pena a ele cominada - reclusão, de dois a cinco anos. 

Desde então, instaurou-se a discussão se seria possível haver acionamento na esfera penal enquanto estivesse pendente de julgamento os recursos administrativas referentes à autuação tributária. Parte dessa discussão ganhou alguma solução com o julgamento da medida liminar na Adin nº 1.571 (ano de 1997), pela qual o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o término do procedimento administrativo fiscal não configurava condição de procedibilidade para que o Ministério Público movesse eventual ação penal contra cidadão investigado pela prática de crime tributário. Seriam esferas distintas e independentes. 

Nessa sistemática, muitos cidadãos viam-se corriqueira e ilegalmente submetidos ao constrangimento de responder a um procedimento penal ainda que pendente julgamento de recurso no âmbito fiscal. Para estas pessoas, se não quisessem correr os riscos do processo penal, restava a possibilidade de pagar o débito tributário antes do recebimento da denúncia, para obter a extinção da punibilidade, nos termos do art.igo 34 da Lei nº 9.249, de 1995. A iniquidade desta situação residia no fato de que, muitas vezes, os valores constantes do auto de infração eram abusivos e não havia tempo hábil, até o recebimento da denúncia criminal, para o julgamento dos recursos administrativos cabíveis. 

Muitos foram os anos de luta da advocacia para que esse entendimento fosse modificado. 
Em 2001, o assunto ganhou novos ares quando o Supremo, ao julgar o habeas corpus nº 77.002-8-RJ, passou a entender que deveria haver efetiva demonstração de dano ao Erário para se configurar o crime do artigo 1º da Lei nº 8.137, de 1990, já que suprimir e reduzir tributos eram duas de suas circunstâncias elementares, o que só ocorreria com o lançamento definitivo do débito em dívida ativa. 

Compatibilizavam-se, assim, as esferas administrativa e penal. A partir de 2003 (HC nº 81.611/DF, STF), muitos julgados passaram a decidir pela falta de justa causa para a instauração de ação penal antes de findo o procedimento administrativo de lançamento do crédito. Condicionava-se, desta forma, o entendimento de que o término do procedimento administrativo é fator condicionante para o início de eventual ação penal. 

Também com vistas a solucionar a questão, no mesmo ano de 2003, foi promulgada a Lei nº 10.684, que, no parágrafo 2º do seu artigo 9º, prevê a extinção da punibilidade pelo pagamento do crédito tributário sem estabelecer qualquer limite temporal para tanto. Esta diretriz político-criminal foi confirmada no ano de 2009, pela edição da Lei nº 11.941 e seus artigos 68 e 69. 

Diante das reiteradas decisões condicionando a instauração de ação penal por crime tributário ao término do procedimento administrativo fiscal, o Supremo, em dezembro de 2009, aprovou a Súmula Vinculante nº 24, com o seguinte teor: "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137, de 1990, antes do lançamento definitivo do tributo". 

Não obstante referida súmula marque de vez a vitória de longa batalha travada pela advocacia - porque impede, em definitivo, que se inicie ação penal por crime tributário antes de findo procedimento administrativo fiscal - é certo que cria outro flanco de acalorada discussão, consistente na demarcação do termo inicial para contagem da prescrição destes delitos. 

Isso porque o entendimento majoritário do Supremo é o de que o prazo prescricional só começa a correr após o término do procedimento administrativo fiscal, uma vez que o crime tributário somente se configura com a constituição definitiva do débito (HC nº 90.957/RJ, HC nº 86.032/RS e HC nº 85.207/RS). 

A nova batalha a ser travada pela advocacia consiste em demonstrar a correção jurídica do entendimento de que a ação típica descrita no artigo 1º da Lei nº 8.137, de 1990, ocorre com a supressão do tributo devido, que ocorre no momento da expiração do prazo para o seu recolhimento, e não no momento da inscrição do débito na dívida ativa, como faz crer a Súmula nº 24. 

Não há dúvida em relação a isso, já que o artigo 4º do Código Penal estabelece que o crime se consuma no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Assim, deve ser aplicada, também a esses casos, a regra do artigo 111, inciso I, do Código Penal, o qual determina que "a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr (...) do dia em que o crime se consumou (...)". 

Dessa forma, resta claro que, sendo o momento da ação do delito previsto no artigo 1º e seus incisos I a V da Lei nº 8.137, de 1990 aquele em que ocorre a supressão ou redução do tributo, a prescrição deve começar a correr desde então. Não há como sustentar o início do prazo prescricional como sendo aquele em que é feito o lançamento definitivo do crédito tributário, porque a decisão definitiva na esfera administrativa não se confunde com o momento consumativo do crime aqui abordado, mas tão-somente atesta a sua materialidade. 
Melhor ilustrando, pede-se vênia para fazer uma analogia com o crime de tráfico de entorpecentes. Imagine-se que determinada substância apreendida com agente seja submetida a exame químico-toxicológico somente um mês após a data de sua apreensão. Tal fato, em nada altera o momento em que teria ocorrido o crime, que é aquele em que o sujeito comercializava a droga, e não no dia do exame, ocasião em que apenas foi constatada sua materialidade. 

No crime tributário, a decisão definitiva no âmbito administrativo funciona da mesma forma que a perícia no delito de tráfico de entorpecentes, ou seja, apenas confirma a existência do tributo e o seu quantum, o que em nada altera o momento da consumação do delito. O fim do procedimento administrativo, para o crime do artigo 1º da Lei nº 8.137, de 1990, funciona como uma espécie de exame de corpo de delito, mas não pode, em hipótese alguma ser confundido com o momento da ocorrência do crime, de maneira que não pode ser considerado termo inicial para contagem do prazo prescricional. 

Leandro Sarcedo é mestre em direito penal pela Universidade de São Paulo e sócio do Escritório Massud e Sarcedo Advogados Associados. Daniel Allan Burg é advogado no mesmo escritório.