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Além da tecnologia, democratizar Justiça passa por revolucionar o conteúdo

Um conteúdo jurídico mais claro e abrangente é uma ferramenta importante para combater a desigualdade social e para promover a inclusão

Autor: Renato CirneFonte: 0 autor

O mundo jurídico ganha cada vez mais atenção. O que era exclusividade de bacharéis e magistrados de toga virou tema de discussões em família e das mesas de bar. As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que há um tempo passavam despercebidas, hoje ocupam manchetes e são motivo de intensos debates.

No entanto, quem ao menos uma vez na vida se deteve para assistir a uma sessão do STF ou para ler uma petição de advogado ou uma decisão de um juiz sabe o quanto é difícil para o cidadão comum entender o que está escrito ali. Isso acontece por que, por força da tradição, os profissionais do direito costumam escrever com um vocabulário que foge do comum, utilizando conceitos de difícil compreensão para quem não é especializado na área.

Como resultado, boa parte da população se vê excluída e não consegue acompanhar questões legais que afetam diretamente sua vida tanto do ponto de vista pessoal, como também em suas relações de negócios. Por isso, um dos grandes desafios para democratizar o acesso à Justiça passa por encontrar formas de transmitir os conteúdos jurídicos em uma linguagem mais acessível.

Nesse sentido, novos conceitos vêm ganhando espaço nas últimas décadas. Do ponto de vista da forma, o visual law foi uma das primeiras tentativas de tornar o direito mais acessível e compreensível. Com gráficos, imagens e outros recursos visuais para representar informações complexas de maneira clara e concisa, tem colaborado para acelerar as decisões nos tribunais. Indo além, o legal design trouxe uma abordagem interdisciplinar, que recorre a técnicas de design thinking, comunicação visual e recursos de experiência do usuário para aproximar as pessoas do mundo jurídico,

Assim, em vez de explicar em palavras como funciona a tramitação de um determinado processo, o advogado pode recorrer a esses novos recursos para ilustrar todos os passos e possíveis desfechos do processo. As ferramentas também permitem criar contratos visuais, que apresentam cláusulas com recursos gráficos voltados a facilitar o entendimento das partes e evitar mal entendidos e conflitos.

Some-se a isso a evolução da inteligência artificial, que vem se mostrando uma grande aliada na missão de tornar a Justiça menos abstrata aos olhos do leigo. As aplicações desse tipo de tecnologia incluem a análise de grandes quantidades de dados para identificar padrões e a geração de modelos de documento, como contratos e acordos, que podem ser personalizados de acordo com as necessidades do cliente, além da automatização de tarefas repetitivas e burocráticas, como a geração de relatórios e a triagem de arquivos.

Claro, que isso não funciona sem a inteligência humana. Uma vez que os recursos de IA geram dados e análises que facilitam a compreensão de questões jurídicas complexas, entram em cena os profissionais de direito, cuja missão será interpretar essas informações a fim de criar soluções personalizadas, que sejam eficazes e apropriadas para cada situação.

E o conteúdo propriamente dito?

Contudo, ainda que as ferramentas de design e experiência do usuário desempenhem um papel fundamental de facilitar os entendimentos e simplificar os processos dentro dos tribunais, ainda é preciso avançar na missão de democratizar o acesso à Justiça fora das cortes, especialmente no que diz respeito ao relacionamento do advogado com seus clientes e também com o restante da sociedade.

A comunicação é uma das habilidades mais importantes de nossa era, para manter conexões, na realização de negócios ou para a resolução de conflitos. Dominar a comunicação efetiva é uma habilidade valiosa. Não seria diferente no direito.

Por isso, é urgente a necessidade de buscarmos um conceito mais amplo, que vá além dos benefícios trazidos pela tecnologia no que se refere à forma, mas que proporcione também avanços no campo do conteúdo, de modo a torná-lo mais acessível a todos aqueles que não possuem formação específica em direito.

Não seria então a hora de se pensar em um content law – fazendo uma analogia direta à revolução proporcionada pelo visual law? Não seria o momento de tornar o direito um bem compartilhado entre advogados e seus clientes?

Ao dispensar a necessidade de conhecimentos técnicos avançados, o content law precisa facilitar a compreensão de documentos do mundo jurídico por todos os públicos, para que clientes e a população em geral sejam cada vez mais capazes de acompanhar os processos e tomar decisões informadas, o que se reflete em uma sociedade mais transparente e democrática.

Ao tornar o direito acessível, um conteúdo jurídico mais claro e abrangente ajuda a combater a desigualdade social e a promover a inclusão, especialmente no caso de pessoas de baixa renda ou com dificuldades de compreensão, que hoje sofrem para acompanhar todas as informações, quando envolvidas em processos complexos.

Além de derrubar barreiras, todas essas medidas ainda dão agilidade aos processos, à medida que facilitam a compreensão dos documentos para todos os envolvidos, desde clientes até magistrados. No final das contas, é possível chegar a soluções mais rápidas e justas, além de reduzir as chances de erro por falta de um entendimento adequado do teor dos documentos.

O mundo mudou. A missão de aproximar a Justiça de toda sociedade é urgente. E trabalhar com os conceitos de um content law, cujo potencial é revolucionário, não apenas contribui com a democratização do acesso à Justiça, como também deve torná-la mais transparente e eficaz, condições fundamentais para construirmos uma sociedade cada vez mais justa e igualitária.

Renato Cirne, sócio do Franco de Menezes Advogados